Consumo álcool e heroína há 14 anos. Antes de entrar na CRETA, tinha uma relação de amor e ódio com a minha droga de escolha, a heroína, e cheguei a uma determinada altura em que entrei em desespero porque comecei a ver o meu bem-estar a retrair-se e tudo aquilo por que tinha lutado e alcançado a esvair-se, o que me fez uma confusão enorme e se transformou num tormento. Eu gostava da droga mas, ao mesmo tempo notava que, à parte esse amor, começava a perder tudo e a perder-me a mim próprio, no aspecto físico, na degradação… Encontro-me há 14 semanas em tratamento e, falando um pouco sobre o que é a CRETA para mim, gostaria de incluir o programa em si, ou seja, o relevo que ele me trouxe. Eu nunca gostei de tocar nos meus sentimentos, na minha parte emocional, porque, lá fora, sempre que surgia um problema relacionado com essa minha parte – como o caso de os meus pais serem divorciados, sempre lhes atribuí muitas culpas e não gostava de lidar com essa situação – recorria à heroína, como uma forma de relaxar, de fugir. É a primeira vez que me encontro em tratamento e este programa, apesar de me ter custado um pouco de início porque tive que me confrontar com a minha própria realidade e a começar a sentir as coisas que nunca quis sentir na vida, fez-me ver as coisas de uma maneira diferente. Fez-me perceber que tenho que sentir as coisas e de trabalhar os meus próprios comportamentos. É muito natural que uma pessoa como eu que consumia já há 14 anos, tivesse comportamentos não muito dignos, como por exemplo ter que manipular outros, por vezes ter que me tornar uma pessoa egoísta… adoptar comportamentos que nunca quis ter. Confesso que não é fácil uma pessoa chegar aqui e expor a sua vida e os seus problemas mas, com o tempo, a honestidade e a identificação que existe entre as pessoas do grupo ajuda muito. Saber que todos têm uma parte positiva, a nostalgia das drogas, mas também uma parte negativa, os danos que as drogas nos trouxeram é fundamental e, para isso, existem as palestras que nos ensinam tudo aquilo que tem a ver com as partes emotiva e racional da pessoa, existem as terapias de grupo em que nos inter ajudamos identificando-nos e assim tornando mais fácil descobrirmo-nos e aprendermos uma maneira mais saudável de lidar com as coisas. Há as partilhas, em que vem alguém com mais tempo de recuperação, é capaz de nos transmitir as ferramentas que utiliza no seu dia-a-dia, o que se torna dignificante. Depois, há algo essencial neste programa que é a irmandade que, para mim, tem muito significado porque eu era uma pessoa que tinha muita tendência para me isolar. E hoje não tenho mais por que me isolar, posso recorrer a qualquer pessoa, pedir ajuda, existe honestidade. Como eu tenho vontades de uso, existe mais quem o tenha mas, em vez de ir consumir, nesta parte de identificação, alguém me vai também manifestar essa vontade. E o simples facto de falarmos e expormos o problema já nos alivia a ansiedade e o stress. Hoje sou uma pessoa que se sente contente, consegui ganhar alguma orientação na vida, foi como se tivesse aberto uma porta. Neste momento, encontro-me na parte final do tratamento que, aliás acabava às 12 semanas, já estou a trabalhar a reinserção, está a ser uma coisa muito boa porque tenho tido muita ajuda do grupo todo desta casa e, daqui para a frente vai ser muito útil a irmandade em si. Ir a reuniões, seguir os passos que trabalhamos diariamente… E se quero ter uma vida saudável em recuperação, será isso que terei que fazer. Também sinto a responsabilidade de ter que ajudar os mais novos, pelo simples facto de que quando entrei nesta casa ter sentido aquele conforto que me transmitiram a mim e que quero transmitir ao próximo. E ao fazê-lo, também aumento a minha auto-estima e a minha confiança. Sinto-me bem a fazê-lo”.